Quando o Kwid foi apresentado, em agosto do ano passado, representava uma ousadia da Renault. No segmento dos modelos “de entrada” das marcas generalistas de automóveis, as opções se limitavam aos hatches compactos ou subcompactos, muitas vezes com projetos antigos. Mas, no Brasil e no mundo, o segmento dos utilitários esportivos é o único que não para de crescer. A Renault percebeu essa divergência entre a demanda e as ofertas existentes e lançou o Kwid, um subcompacto apresentado na Índia em 2015, que a marca definiu como “o primeiro SUV compacto urbano”. Dez meses depois chegar ao Brasil, está claro que o Kwid é a melhor aposta da Renault em seus 26 anos no mercado nacional. Esse ano, além de ser o Renault que mais vende, o modelo se manteve entre os dez veículos mais vendidos do país.
No Brasil, um veículo pode se encaixar na categoria dos utilitários esportivos se tiver ângulo de ataque mínimo de 23º (com tolerância de -1º), ângulo de saída de 20º (com tolerância de -1º) e altura livre do solo acima de 18 centímetros. Embora atenda esses requisitos, o Kwid pode ser melhor definindo como um hatch com suspensão levantada e bons ângulos de ataque e de saída. Com dimensões similares às do subcompacto Volkswagen Up – tem 3,68 metros de comprimento,1,58 metro de largura, 1,47 metro de altura e 2.42 metros de entre-eixos –, o Kwid ganha alguma imponência graças aos 18 centímetros de altura do solo. Com ângulo de entrada 24° e de saída de 40°, consegue encarar, sem raspar em nada, a maioria dos quebra-molas e os buracos cotidianos.
As formas protuberantes fazem o Kwid aparentar ser maior do que é. A grade frontal, ladeada por faróis alongados, é similar às dos utilitários esportivos da Renault em todo o mundo. Sobre duas travessas horizontais, com elementos vazados que remetem a elos de uma corrente, se apoia o vistoso logotipo losangular, que recorta a tampa do capô. Na traseira, o “estilo SUV” é reforçado pelo aerofólio e pelo revestimento preto em toda a área abaixo da tampa do porta-malas. Curiosamente, a lente da câmera traseira está “camuflada” no centro da logomarca da tampa do porta-malas.
Além da imagem “aventureira” tão explorada pelo Kwid, outro atributo que ganhou importância nos últimos tempos é o baixo consumo. Nesse aspecto, o “powertrain” formado pelo motor 1.0 SCe (Smart Control Efficiency) com três cilindros, 12 válvulas, duplo comando de válvulas (DOHC), acoplado à transmissão manual de cinco marchas, dá conta do recado. Com etanol no tanque, o motor tricilíndrico rende 70 cavalos de potência a 5.500 rpm e torque de 9,8 kgfm a 4.250 rpm. Com gasolina, são 66 cv a 5.500 rpm e 9,4 kgfm a 4.250 giros. Garantiu nota A nos testes de consumo do InMetro: registrou 15,2 km/l com gasolina e 10,5 km/l quando abastecido com etanol, em trajeto misto (urbano-rodoviário). Além do indicador de troca de marchas (GSI) no quadro de instrumentos, de série em todas em as versões, o Kwid traz um indicador de estilo de condução abaixo do velocímetro. Por meio de uma barra com três cores (verde, amarelo e laranja) aponta o nível de eficiência energética do veículo.
Mas o preço continua a ser fundamental no segmento de modelos “de entrada”. No Kwid, a versão Life parte de R$ 32.490, a intermediária Zen com rádio sai por R$ 36.990 e a “top” Intense custa R$ 40.990. Para praticar valores competitivos, o Kwid “abdica” de alguns requintes e comodidades. Em todas as versões, as rodas são de aço e aro 14 polegadas – na Intense, recebem uma calota Flexwheel, que simula uma roda de liga-leve. As travas das portas não são na maçaneta, mas em pinos no alto das portas, abaixo dos vidros. Não há qualquer ajuste de altura do volante ou dos bancos. Todas as versões trazem como itens de série os dois airbags laterais, dois Isofix, predisposição para rádio e indicadores de troca de marcha e de condução. Direção elétrica, ar-condicionado, travas e vidros dianteiros elétricos, rádio com Bluetooth e entradas USB e AUX aparecem apenas na versão intermediária Zen. Itens como retrovisores elétricos, faróis de neblina cromados, abertura elétrica do porta-malas e chave dobrável estão disponíveis apenas para quem compra a versão de topo Intense. A linha de acessórios inclui rodas de liga-leve, itens como porta-celular, entrada USB, alarme, sensor de estacionamento, faróis de neblina e soleiras das portas, entre outros. Opcional da versão Intense, o Pack Connect reforça a conectividade com o Media Nav 2.0, central multimídia com tela touchscreen de 7 polegadas integrada ao painel que agrega GPS, ligações, Bluetooth e câmera de ré.
Para manter o carro entre os mais vendidos, a fabricante criou em abril a plataforma de venda online K-Commerce. No segmento de entrada, o Kwid vem dando trabalho a modelos como Chevrolet Onix, Hyundai HB20, Ford Ka e Volkswagen Gol e Up. A aposta da Renault no “SUV dos compactos” foi tão certeira que a concorrência não para de se mexer. Na mesma trilha, a Ford acaba de anunciar o lançamento da versão Freestyle do Ka, que também incorpora um visual “off-road”.
Experiência a bordo
Causas e efeitos
A versão avaliada foi a Intense, a topo de linha do Kwid. Embora com as limitações de espaço inerentes aos subcompactos, não é difícil entrar e sair do carro. A posição de dirigir é elevada e o espaço para quem viaja atrás é apenas decente para duas pessoas. O design interior do Kwid reforça a proposta do estilo externo e ressalta o aspecto rústico, típico dos SUVs. Alguns detalhes remetem à linha Sandero/Logan. Não há porta-copos, só um grande nicho à frente do câmbio para transportar os objetos que necessitam estar à mão do motorista. Todos os plásticos são rígidos e há uma ou outra rebarba aparente, mas os encaixes são corretos. O sistema multimídia é envolvido por acabamento em preto brilhante.
Principal atrativo do Kwid, a suspensão elevada se revela bem adequada às sofridas ruas do Brasil e encara com valentia quebra-molas e buracos cotidianos. Mas gera um “preço” a ser pago pelos ocupantes. O ajuste da suspensão traseira é um tanto rígido, para que o comportamento dinâmico nas curvas não seja comprometido. Um “efeito colateral” é que o Kwid transmite as irregularidades do piso aos ocupantes sem muita clemência.
Os custos de produção do subcompacto foram barateados ao máximo e algumas das “economias” se refletem no aspecto da interatividade. Não existe ajuste de altura do volante e do banco. A única solução é ajeitar o banco para trás ou para a frente para achar a melhor posição possível. E a opção de colocar as travas das portas dianteiras em pinos no alto das portas, abaixo do vidro, embora represente economia em termos construtivos, não contribui em nada para a ergonomia. Quando se quer abrir a porta, não basta puxar a maçaneta – nesse caso, a porta não abre. É necessário levantar o pino na porta, algo que requer alguma flexibilidade, ou acionar um botão na parte central do painel, sob o rádio – o que é pouco intuitivo para quem está olhando para a porta. Os vidros são elétricos, mas só na frente. As janelas de trás são abertas por manivelas e não se abrem por completo. O som não tem comandos de áudio no volante e são só dois alto-falantes frontais, próximos ao para-brisa. O isolamento acústico também foi pouco valorizado e o motor parece excessivamente ruidoso.
Felizmente, a “avareza” no controle dos custos não foi total. A existência de airbags laterais de série, além dos frontais obrigatórios, foi uma inovação bem-vinda no segmento de modelos de entrada. Em termos de entretenimento e conectividade, a central multimídia Media Nav 2.0, opcional incluso no Connect Pack, é bem interativa: inclui GPS, câmera de ré e tela sensível ao toque de sete polegadas.
Na hora de arrumar as malas, nenhuma surpresa. O compartimento de bagagem acomoda 290 litros – leva 5 litros a mais que o dos Volkswagen Gol e Up e 55 litros a mais do que o do Fiat Mobi. Ou seja, é um porta-malas pequeno, mas não chega a fazer feio em relação à concorrência. Com o banco traseiro rebatido, chega até 1.100 litros.
Impressões ao dirigir
Essencialmente urbano
Rio de Janeiro/RJ – Incorporar o charme aventureiro dos utilitários esportivos a um modelo de entrada foi uma sacada e tanto. Mas, embora o “espírito SUV” seja envolvente, o motorista do Kwid Intense não demora a lembrar de que se trata de um modelo de entrada, com proposta urbana. O motor 1.0 de três cilindros é moderno, mas foi “aliviado” de alguns recursos tecnológicos em relação ao que havia estreado no final de 2016 no Sandero, com 82 cv com etanol. No Kwid, são 70 cavalos de potência. Com seus 758 kg, o modelinho facilita a tarefa do trem de força. A aceleração de zero a 100 km/h pode ser feita em 14,7 segundos – nada que insinue esportividade.
O câmbio manual de cinco velocidades tem engates precisos, mas é um tanto ruidoso. No uso urbano, o Kwid se mostra equilibrado, embora o ajuste mais rígido da suspensão que visa evitar que o carro aderne demasiadamente nas curvas acabe comprometendo o conforto e faça o carro “quicar” um pouco mais do que seria agradável. O tamanho e a direção elétrica fazem diferença na hora de manobrar em vagas apertadas. Lúdicos e funcionais, o indicador de troca de marchas e o indicador de estilo de condução do Kwid estimulam um gerenciamento mais racional do combustível
Nas estradas, as limitações de torque e potência se tornam mais perceptíveis. É preciso ter paciência nas ultrapassagens, além de recorrer às reduções de marchas. Mas nada muito diferente dos outros motores 1.0 aspirados do mercado. A direção elétrica, que facilita as manobras de estacionamento, não transmite tanta sensação de precisão nas velocidades mais elevadas. Acima dos 100 km/h, volante e pedais começam a trepidar e o ruído do motor invade a cabine sem cerimônias. Nas curvas em alta, apesar da opção pela suspensão mais rígida, as rolagens de carroceria surgem com mais intensidade do que em outros hatches de porte similar. Os pneus aro 14 são estreitos e não ajudam em termos de estabilidade e conforto. E não há controle eletrônico de estabilidade ou de tração. Na soma dos detalhes, não é muito estimulante manter por muito tempo uma “tocada” mais esportiva no Kwid. Melhor destiná-lo ao uso urbano ou para viagens feitas sem muita pressa, mais coerentes com a proposta do veículo.