Em 1923, foi lançado o Benz 5K3, o primeiro caminhão movido a diesel do mundo, com motor de 50 cavalos e capacidade de carga útil de 5,5 toneladas. Quase um século depois, a supremacia do diesel no transporte rodoviário de cargas parece estar se encaminhando para o fim. Na Europa, enquanto a alemã Mercedes-Benz e a sueca Volvo anunciaram uma joint-venture para produção de veículos movidos a célula de combustível – abastecidos por hidrogênio –, a sul-coreana Hyundai já desembarca na Suíça as primeiras unidades do XCient Fuel Cell, o primeiro caminhão pesado com essa tecnologia produzido em série do mundo. A Mercedes-Benz comemora os bons resultados do seu pesado elétrico eActros em testes com clientes na Alemanha, Bélgica e Holanda, mas a italiana Iveco, que é líder mundial em tecnologia de veículos comerciais alimentados a gás natural, reforça sua aposta e apresenta o novo S-Way NP, o primeiro pesado movido a gás natural liquefeito (GNL) do mercado europeu. Nos Estados Unidos, onde “brutos” elétricos da norte-americana Freightliner e da chinesa BYD são “figurinha fácil” nas estradas californianas, a startup Nikola pretende colocar em testes ainda este ano o Tre, pesado movido a bateria e célula de combustível, desenvolvido em parceria com a Iveco. E a fabricante de automóveis elétricos Tesla anunciou que produzirá no Texas o seu caminhão movido a eletricidade, o Semi. No Japão, a Toyota e a Hino Motors estão desenvolvendo em conjunto um caminhão movido a célula de combustível. No Mercosul, a Scania comercializa os primeiros caminhões movidos a gás natural veicular ou biometano “made in Brazil”, uma versão do pesado R450, e a Iveco fabricará na Argentina o Tector 160E21, movido a gás natural comprimido (GNC). Já a Volkswagen Caminhões e Ônibus desenvolve em sua fábrica na cidade fluminense de Resende os protótipos do leve elétrico eDelivery, enquanto uma startup de mobilidade carioca resgatou a histórica marca FNM – agora como Fábrica Nacional de Mobilidades – para produzir ainda esse ano na cidade gaúcha de Caxias do Sul os caminhões elétricos 832 e 833, com PBT de 13 e 18 toneladas. As novidades não param e a mais recente chega, mais uma vez, da Europa. A startup sueca Volta Trucks acaba de apresentar o seu primeiro veículo, o Volta Zero, um caminhão elétrico de 16 toneladas projetado especificamente para a distribuição de cargas nos centros de cidades.
A Volta Trucks mantém sua sede em Estocolmo, porém, suas operações comerciais são feitas no Reino Unido. Os primeiros protótipos do Volta Zero devem iniciar a avaliação com os clientes no primeiro trimestre de 2021. A produção em escala industrial deverá acontecer no Reino Unido, em linhas de montagem terceirizadas. Até o final de 2022, a Volta pretende fabricar cerca de quinhentos veículos. Em 2025, a proposta é atingir a produção de 5 mil unidades por ano. “Três pilares definem a Volta Trucks como negócio e também o Zero – segurança, sustentabilidade e eletrificação. Estamos contribuindo diretamente para a migração da sociedade em direção a um futuro eletrificado”, comemora Rob Fowler, CEO da Volta Trucks.
A ausência de um volumoso motor de combustão interna tradicional permitiu que os projetistas e engenheiros do Zero repensassem completamente o modo como um caminhão normalmente é projetado. No Zero, o motorista se senta em uma posição de direção central com um banco giratório e tem uma ampla visão direta de 220 graus ao redor do veículo. Essa vista panorâmica dos arredores acontece por meio de uma cabine projetada para fornecer uma visibilidade ideal e redução de pontos cegos. A proteção é aprimorada pelo uso de câmeras retrovisoras que substituem os espelhos tradicionais, uma câmera panorâmica de 360 graus mostrando ao motorista todo o entorno e os sistemas de alerta de ponto cego para detectar objetos nas laterais do veículo. O motorista de um Volta Zero posiciona-se muito mais abaixo do que em um caminhão convencional, com sua linha de visão em torno de 1,8 metro, o que facilita a comunicação visual entre o motorista e outras pessoas ao redor. O design da cabine é contemporâneo, com interfaces de usuário intuitivas. Telas sensíveis ao toque em cada lado da cabine são usadas para luzes, controle de temperatura, navegação e planejamento de viagem, comunicação e mídia.
O Volta Zero oferece uma carga útil de 8.600 quilos, com um volume total de 37,7 metros cúbicos. O veículo tem 9,46 metros de comprimento, 3,47 metros de altura e 2,55 metros de largura, com uma distância de entre-eixos de 4,80 metros. O peso bruto do veículo é de 16 toneladas e é limitado a uma velocidade máxima de 90 km/h. Devido ao seu inovador trem de força elétrico, do qual a potência e o torque não foram revelados, o Zero tem 90% menos peças mecânicas do que um veículo com motor de combustão interna de porte equivalente. Como resultado, a Volta Trucks busca atingir o mesmo Custo Total de Propriedade dos veículos movidos a diesel com capacidade de carga similar. Para reforçar a segurança operacional nas regiões centrais das grandes metrópoles, o caminhão da Volta oferecerá sistemas avançados de assistência ao motorista para auxiliar na direção, manobras e estacionamento, como direção ativa, assistência de sinalização e assistente de ré com câmera. Nas estradas, o sistema de alerta de saída de faixa amplia a segurança. O operador da frota também se beneficia de um sistema de monitoramento de status técnico, baseado em inteligência artificial, que evita quebras e aumenta o tempo de atividade do veículo.
Segundo a startup sueca, o Zero oferecerá uma autonomia de até 200 quilômetros, sem emissões e sem ruídos vindos do motor. Para mover as rodas traseiras, em vez do motor elétrico convencional e do eixo de transmissão mecânico normalmente adotado por outros caminhões elétricos, o Zero reúne seu único motor elétrico e a transmissão elétrica em uma unidade leve e compacta, que é mais eficiente e libera espaço entre os trilhos do chassi – onde a Volta Trucks aproveita para encaixar a bateria do veículo. O Zero usará baterias de 160 a 200 kWh de lítio-ferro-fosfato. A bateria será modular, permitindo que a Volta adapte o veículo às especificações do operador. Ao contrário das baterias convencionais de níquel-cobalto-manganês, a de lítio-ferro-fosfato não contém metais preciosos, eliminando os problemas de resíduos associados a esses materiais. No final da vida útil, ela poderá ser reciclada e reutilizada como um dispositivo de armazenamento de energia.
Mas a preocupação da Volta com a sustentabilidade não se limita à reciclagem das baterias. O Zero será o primeiro veículo rodoviário a usar na construção dos painéis externos da carroceria o composto Flax, um material que combina linho natural de origem sustentável e uma resina biodegradável derivada do óleo de semente de colza, uma planta também utilizada na produção de biodiesel. Ao final de sua vida útil, as peças podem ser queimadas e usadas para recuperação de energia térmica, ao contrário de materiais compostos convencionais, que geralmente são enviados para aterros. Esse composto natural não é apenas mais sustentável, é também mais seguro para veículos que operam em ambientes urbanos. Caso ocorra um acidente, o composto Flax se dobra, remodela e se encaixa, oferecendo um comportamento de fratura flexível, sem arestas vivas. Isso reduz o risco de fragmentos pontiagudos que podem ferir pessoas, em caso de acidentes.
Junto com o Zero, a Volta Trucks pretende apresentar ao mercado um sistema que chama de “Truck as a Service” – algo como “Caminhão como Serviço”, que promete revolucionar o financiamento e a manutenção de frotas de veículos comerciais. O sistema quer oferecer aos gerentes de grandes empresas uma maneira descomplicada de eletrificar sua frota e ainda auxiliar os operadores menores que gostariam de migrar para veículos comerciais elétricos, mas podem ficar intimidados. O “Truck as a Service” se propõe a disponibilizar – por uma taxa mensal única e, segundo a Volta, acessível – um Zero e todos os seus requisitos de serviço, manutenção, seguro e treinamento. E ainda promete fornecer um caminhão de substituição sempre que for necessário, aumentando o tempo de atividade e a eficiência operacional do veículo.
Por: Luiz Humberto Monteiro Pereira/AutoMotrix – Fotos: Divulgação
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