Se a linha CG é a rainha das motocicletas no Brasil – por ser o veículo mais vendido do país –, a CB400 é um símbolo de transformação para o mundo sobre duas rodas para os brasileiros. Para mostrar a relevância dessa moto da Honda, é importante uma breve viagem ao cenário da indústria automotiva nacional do final da década de 70. O país era governado por Ernesto Geisel – quarto presidente da ditadura militar iniciada em 1964 –, que tinha proibido a importação de carros e motos. Nos automóveis – bem ou mal –, os consumidores que buscavam um veículo mais potente ainda tinham opções nas montadoras com produção local, na Volkswagen, na Chevrolet e na Ford. A Fiat, que recém tinha chegado ao Brasil, estava fora nesse quesito, pois fazia apenas o pequeno 147. Nas motos, com o fechamento das importações, o brasileiro tinha de se contentar com os modelos de 125 cilindradas, especialmente da família da CG, produzida na Zona Franca de Manaus, criada em 1967 para estabelecer incentivos fiscais para os setores industriais, comerciais e agropecuário na Amazônia. Em 1980, porém, a Honda promoveu a grande “virada de jogo” ao lançar a CB400, a primeira motocicleta mais potente produzida no Brasil.
Apesar de ser de média cilindrada, a CB400 era considerada uma moto grande para a época em que surgiu, pois não havia nada parecido com ela para os ávidos por potência em duas rodas no país. Perto das 125 “magricelas”, a CB400 era mesmo um “motão”. Derivada de um modelo de dois cilindros, disponível na Europa como CB400T Dream e CB400N Super Dream e nos Estados Unidos como CB400T Hawk, a nossa CB era uma moto estradeira com agilidade para o trânsito urbano. Para os padrões da época, ela contava com um desempenho impressionante. A CB400 foi produzida na Zona Franca de Manaus de 1980 a 1984, sendo fabricadas, de acordo com a Honda, 67.550 unidades equipadas com motor de 395 cm³ com três válvulas por cilindro e câmbio de 6 marchas. Chamada muitas vezes simplesmente de “CB”, a moto contava com 40 cavalos de potência e logo conquistou o coração dos brasileiros, se tornando um legítimo sonho de consumo.
Considerada uma motocicleta absolutamente convencional para os dias de hoje, a CB400 tinha uma mecânica moderna para o seu tempo, com propulsor de dois cilindros paralelos com diâmetro de 70,5 milímetros e curso de 50,6 milímetros, quatro tempos, refrigeração a ar e dois carburadores, tendo ainda três válvulas por cilindro – duas para admissão e uma para escapamento. Era a única moto no Brasil com comando de válvulas acionados por corrente e sistema de balanceamento no cames para anular vibrações, partida elétrica e por pedal e afogador localizado no painel.
Com banco largo e em dois estágios (o garupa ficava mais acima) e um tanque de combustível também largo, a CB era uma moto “gorda” na visão do piloto, acostumado com as 125 ou mesmo as “cinquentinhas”, substancialmente mais estreitas. A CB foi responsável por implantar as rodas com raios de liga leve, com detalhes cromados, em substituição aos tradicionais raios finos de metal. Por outro lado, a CB400 exigia um respeito maior por parte do piloto, não apenas por sua potência mais elevada mas principalmente pelo peso de quase 200 quilos. A moto acelerava de zero a 100 km/h em sete segundos e podia chegar à velocidade máxima de 160 km/h, números completamente desconhecidos para a quase totalidade dos motociclistas brasileiros de então.
Nascido em Porto Alegre (RS) e com uma longa carreira no centro do país, sempre como editor de fotografia, Ricardo Chaves, de 72 anos, viveu bem os tempos gloriosos da CB. “Minha primeira Honda foi uma CB400 II, com freio de disco duplo na dianteira. Era uma delícia de máquina, um sonho antigo que me proporcionou uma grande satisfação pela diferença de performance, pois estava saindo de uma moto menor”, lembra Ricardo Chaves – o Kadão, como é conhecido por seus colegas de trabalho, amigos e até mesmo em casa –, que depois partiu para uma CBR450 SR, por 20 anos, e agora desfila com uma Hornet 650 F, sempre fiel à Honda. De precursora para voos mais altos nas duas rodas no Brasil, a CB abriu caminho para evoluções de sua própria espécie e sucessoras feitas no país. Viria, então, a CB450, com pistões maiores, aumentando a capacidade cúbica para 447 cm³, a potência para 43 cavalos e o torque passando de 3,2 para 4,3 kgfm. Em 1989, para brigar com a Yamaha RD 350, a Honda criou a CBR450 SR, com carenagens e visual mais esportivos, fazendo crescer a potência para 46,3 cavalos. Outra inovação foi a troca dos dois amortecedores traseiros pela suspensão Prolink, com apenas um amortecedor fixado à balança por links.
Mas a motocicleta que revolucionou o mundo das duas rodas no Brasil foi mesmo a CB400 original, com seu design icônico na década de 80. O estilo da CB400 foi desenvolvido no Brasil, e era bem diferente do modelo feito no Japão. O potente propulsor da CB brasileira, com torque elevado, dispensava as trocas constantes de marchas, enquanto o tanque de combustível – com linhas mais retas em comparação ao da versão japonesa – e o conjunto de rodas de liga leve com detalhes cromados chamavam a atenção em todos os lugares. O conforto da CB se sobressaía. Com um banco largo de dois níveis e suspensão traseira macia, oferecia uma boa pilotagem e tranquilidade para o garupa, tanto na cidade quanto na estrada. Mesmo sendo larga, a CB tinha uma agilidade e uma ciclística impressionantes. Kadão é um bom exemplo de carinho e intimidade com a CB400. O agora editor da seção “Almanaque Gaúcho” do jornal Zero Hora, de Porto Alegre, gosta de recordar o seu dia a dia e o “companheirismo” com a moto. “Tinha grande prazer de lavar, passar lubrificante na corrente e de aplicar um silicone em toda ela nos finais de semana. Depois, ela retribuía com um desempenho e uma facilidade de pilotar que eram só dela. Nunca tive problemas de manutenção, nunca quebrou nada. Lembro que naquela época morava em Cotia, em São Paulo, e encarava a rodovia Raposo Tavares e as marginais de São Paulo todos os dias, sem a sensação de inferioridade que as motos menores passavam. A melhor definição que posso dar da CB é que ela era uma boa companheira e absolutamente confiável”, completa Kadão.
Há um ano, a Honda anunciou o fim da produção da CB400 Super Four no Japão, por causa das normas antipoluição e projetos para buscar novos produtos no segmento clássico naked (sem carenagens). No entanto, a marca japonesa estaria interessada em promover o retorno da CB400 SF. Porém, isso nada tem a ver com a CB produzida no Brasil, que ficou na história, mas ainda está nas ruas e estradas pelas mãos de amantes dedicados e colecionadores. Para eles, a Honda CB400 não tem sucessora, nem preço.
Por Daniel Dias/AutoMotrix – Fotos: Divulgação
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