Nem todo automóvel chega às concessionárias com o objetivo de vender muito. Alguns são criados com a função estratégica de ressaltar determinados atributos de uma marca ou de um modelo – pode ser a esportividade, o luxo, a tecnologia ou o estilo. Ou até tudo ao mesmo tempo. São as versões mais bem equipadas e mais caras – e, por isso, vendem menos. Mas cumprem a tarefa de ajudar a embalar as vendas das versões comuns da linha, que acabam “pegando emprestado” algumas virtudes das configurações mais “ilustres” com quem dividem as vitrines das concessionárias. Essa é a missão do Sandero R.S., versão esportiva do hatch compacto da Renault. E ela fica ainda mais explícita em sua edição especial Racing Spirit, limitada a 1.500 unidades e reforçada com adereços exclusivos.
Apresentada no ano passado, a versão especial Racing Spirit chama de cara atenção pelas rodas de 17 polegadas, calçadas com pneus Michelin PS4 205/55 e com pinças de freio, e a parte central ostensivamente pintada em vermelho. O mesmo tom rubro aparece também no contorno inferior do para-choque com desenho das lâminas em estilo F1, nos espelhos retrovisores, no difusor e na faixa lateral com a inscrição “Racing Spirit”. As luzes diurnas em leds são de série. Dentro, o exclusivo volante revestido em couro com inscrição R.S. atrai logo os olhares. Perto do câmbio, uma placa numerada identifica o número de série da unidade da edição Racing Spirit. A cor vermelha aparece também nos aros dos difusores de ar laterais e no contorno do velocímetro, além das costuras e faixas dos bancos. Painel central e as maçanetas internas com acabamento “black piano” complementam o estilo esportivo.
Desenvolvido pela Renault Sport em parceria com o estúdio Renault Design América Latina, o Sandero R.S. é empurrado por um motor 2.0 aspirado que gera 150 cv e 20,9 kgfm quando abastecido com etanol. O câmbio manual tem seis velocidades e relações curtas. Com uma relação peso/potência de 7,74 kg/cv, a velocidade máxima é de 202 km/h e o zero a 100 km/h pode ser feito em 8,0 segundos cravados. Há três modos de direção, acionáveis quando o motorista pressiona longamente o botão R.S. no console central. No “Standard”, os controles de estabilidade e tração ligados. No “Sport”, ambos continuam ligados, mas o pedal do acelerador entrega respostas mais rápidas e o ronco do motor fica mais elevado. Já o “Sport+” desliga os controles dinâmicos de estabilidade e tração, para quem acha que deve controlar “no braço” a “tocada” mais esportiva.
Toda essa combinação de esportividade com exclusividade tem seu preço. No caso do Renault Sandero R.S. Racing Spirit, o preço sugerido é de R$ 67.400 – cerca de 40 % mais caro que uma versão básica Expression 1.0 do mesmo Sandero. Nem é um valor tão absurdo assim – é o preço de alguns hatches compactos em versões mais bem equipadas –, mas está longe de ser uma compra racional. Se o consumidor levar em conta que a versão R.S. Racing Spirit oferece quase o dobro do torque e 84% a mais de potência que a versão Expression com motor 1.0 tricilíndrico de 82 cv e 10,5 kgfm, pode até acabar dando um jeito de justificar matematicamente tal extravagância. Mas valores como status e potencial de diversão oferecidos por um automóvel são abstratos e difíceis de expressar em cifras.
Experiência a bordo
Clima de autódromo
O espaço interno sempre foi um dos trunfos da linha Sandero e está preservado integralmente na série especial Racing Spirit da versão R.S.. Cinco passageiros conseguem viajar sem maiores apertos. Como o Sandero é um hatch “altinho”, entrar e sair do habitáculo é fácil. Os espaços oferecidos para objetos pessoais são eficientes. A suspensão é mais rígida que as das versões convencionais do Sandero e os passageiros sofrem um pouco mais ao passar pelos buracos que injustificadamente fazem parte da paisagem da maior parte das ruas e estradas brasileiras.
Estilisticamente, o interior do Sandero R.S. Racing Spirit agrega pitadas de extravagância que ajudam os ocupantes a jamais esquecer a evidente personalidade esportiva da versão. Muitos detalhes são inspirados nos modelos de competição da Renault. O revestimento do teto é preto e a cor vermelha surge nos aros dos difusores de ar laterais e no contorno do velocímetro, além das costuras e faixas dos bancos. Painel central e as maçanetas internas recebem plástico preto brilhante. Para ressaltar a percepção de exclusividade, uma placa numerada, localizada sob a alavanca do freio de mão, identifica o número de série da edição Racing Spirit.
Em termos de interatividade, incomoda um pouco o posicionamento no painel central dos comandos do piloto automático e dos vidros elétricos traseiros. O som é o poderoso 3D Sound By Arkamys e o sistema multimídia Media NAV Evolution vem com tela touchscreen 7”, navegação GPS, rádio, conexão Bluetooth e USB. É o mesmo que equipa o modelo com o trem de força 1.0 e é bastante completo. Oferece conexão com celulares via Bluetooth, mas escapa da atual tendência automotiva de “conectividade compulsória”, onde os sistemas multimídias dos carros se restringem a ser meros “repetidores” dos aplicativos que o motorista tem em seu smartphone.
A lista de itens de série voltados para o conforto a bordo é extensa e inclui ainda ar-condicionado automático, banco do motorista com regulagem em altura, comando de abertura das portas por radiofrequência, direção eletro-hidráulica com regulagem de altura, retrovisores com regulagem elétrica, travas elétricas, vidros dianteiros e traseiros elétricos e verdes, abertura interna do reservatório de combustível e do porta-malas, indicador de troca de marcha e de temperatura externa, relógio, iluminação do porta-luvas, controlador de velocidade e sensor de estacionamento.
Impressões ao dirigir
Para pés direitos nervosos
O motor do Sandero RS Racing Spirit é basicamente o mesmo 2.0 16V que equipa modelos da Renault há quase duas décadas no Brasil, mas bastante retrabalhado. Seus 150 cavalos e os 20,9 kgfm rapidamente deixam claras as suas reais intenções. O zero a 100 km/h do carro, que pode cumprido em apenas 8,0 segundos, reforça a tese. Embora o torque máximo só se apresente em 4 mil rpm, bem antes disso o “hot hatch” compacto da Renault já esbanja vigor. É possível escolher entre os modos de condução “Standard”, “Sport” e “Sport+”. Quando ativado, o modo “Sport” torna o acelerador mais sensível e a marcha lenta sobe 200 rpm, para apressar as respostas do motor. Já o modo “Sport+”, que desliga os controles de estabilidade e de tração, torna a “brincadeira” mais arriscada. A tarefa de segurar o hatch nas curvas fica totalmente por conta do piloto, como nos carros de corrida. O câmbio tem escalonamento das marchas progressivo, mas um pouco mais precisão nos engates seria apreciável num modelo de proposta esportiva.
A suspensão esportiva é exclusiva da versão e é bem elaborada para permitir que o motorista – que a bordo se sente quase “promovido” a piloto – explore bem o ótimo potencial dinâmico do trem de força. O hatch se mantém neutro em curvas e retas. A direção eletro-hidráulica, especialmente customizada pela Renault Sport Cars, e o sistema de freios a disco nas quatro rodas aumentam o potencial de explorar a “saúde” do motor. A configuração R.S. ainda traz controle eletrônico de estabilidade, o que garante uma dose extra de segurança. O assistente de arrancada em subida também é de série.
Mas, como se costuma dizer, “não existe almoço grátis”. Na indústria automotiva, altas perfomances dinâmicas raramente combinam com eficiência energética. Testada pelo Programa de Etiquetagem Veicular do Inmetro, o Sandero R.S. obteve médias de 5,9/7,6 km/l com etanol e 8,3/10,8 km/l com gasolina, nos ciclos cidade/estrada. Recebeu as notas “E” na categoria e “D” no geral. Se o motorista resolver ativar o modo de direção esportivo e pisar fundo no acelerador, o computador de bordo logo aponta níveis de consumo ainda mais “perdulários”. Melhor arrumar um posto de combustível com preços camaradas, frentistas simpáticos e plano de fidelidade, já que as visitas se tornarão frequentes.